Ópera
acordo já demasiado tarde para ser inteiramente eu. às oito e meia lá espero que passes e logo pela manhã tenho os sonhos diluídos com o café e uma explosão de cores a rondar o sono. do lado esquerdo, a faca com a qual degolámos os sentidos e os versos que flutuam sobre a pele como a loucura flutua sobre os versos. passas sempre demasiado tarde para seres inteiramente tu. ao longo da fala há uma chama que se arrasta até à voz para lapidar o silêncio envernizado dos teus gritos demasiado melódicos, demasiado envernizados. vais para o conservatório, sempre para o conservatório de música embora vás demasiado tarde e eu tacteio uma ópera através de ti e através de ti já tudo foi escrito porque trazes as palavras agrafadas às sombras e é difícil explicar como consigo subir pelos teus sons ensanguentados e encontrar-me tão limpa e tão pura mesmo no fundo da cidade. caminhas como se nem te apercebesses que o fazes. e é através da manhã e do sono da manhã incandescente que os lugares se reflectem sem uma sucessão lógica e de olhos cerrados os lábios estendem-se aqui e ali a comandar a orquestra e na nota mais aguda do caminho a noite é adiada. escrevo ou escrevo-te por uma sedução opaca. as coisas deslizam para cima da navalha que define as formas clandestinas de deus.
S.C.
S.C.
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