terça-feira, janeiro 04, 2005

O errante da Abissínia

É, quase sempre, tão estranho ler “Escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível. Fixava vertigens.” e acreditar que a mão que gravou estas linhas apenas tinha dezanove anos. Apenas? Talvez não, talvez tivesse já a idade mais que suficiente para fazer aquilo que fez. Num cenário tão surreal, uma autêntica noite no inferno, só a virgem doida poderia ter revolucionado a poesia, só aquele portador do mau sangue, descendente do ruivo, poderia ter feito aquilo que muitos, provavelmente, só acreditariam ser viável nas mãos de um esposo infernal. Rimbaud teria necessariamente de ser o que foi, já que se nuns poucos não encontramos paralelo vital que dê sangue à existência lírica, no poeta das Ardenas tudo se confunde como se a poesia fosse a própria vida e, ao mesmo tempo, num detalhe único, como se a sua vida (e, assim, a sua poesia) fosse toda a história da poesia até ele. Chegarei ao ponto de dizer que os dezanove anos de Rimbaud chegaram para tudo. Chegaram para resumir toda a poesia que o precedeu. Chegaram para anunciar toda poesia que estaria por vir e, pelo meio, ainda teve tempo de fugir, participar na guerra, viajar pela Europa, etc. E Rimbaud deixou-nos tudo isso num mapa único: Une Saison en Enfer.
Por isso direi que precoce ao jeito de Rimbaud ninguém o é, já que precoce é algo que ele não foi.


D.P.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Estava pela internet digitando a palavra Rimbaud e achei teu blog,otimo post,visao certeira sobre o enigma Rimbaud.

Abraços desde Sao Luis-Brasil.

Elias Ricardo

10:41 da manhã  

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